Eu adoro contos. Seja de fadas, de romance, de terror, até crônicas curta são legais! Não há nada mais interessante do que num dia de tédio você ler um conto. Faz parte da vida. E, como uma grande fã de contos, eu não podia deixar de escrever um. Então, aqui vai, um conto que eu escrevi inspirada numa música de uma das minhas bandas favoritas. Forever The Sickest Kids - Cop Car.
Se você ler, deixe sua crítica ou elogio ou só um oi para eu saber que leu. Nossa, faz tanto tempo que não posto...
Eu olhei pelo retrovisor. Droga! Pensei, batendo de leve na direção. Lentamente fui pisando no freio e encostando o carro na beira da rodovia. As luzes do carro da polícia estavam logo atrás de mim.
– Muito bem, eu preciso da sua carteira de habilitação e dos documentos do carro. – o policial disse, assim que eu abaixei o vidro.
Suspirei e abri o porta-luvas, tirando e entregando os documentos a ele. O policial examinou-os atentamente. Depois de uns três minutos ele me devolveu-os, com um ar entediado.
– Melhor descer, garoto. – ele disse.
Eu já esperava por isso. O carro não era meu e eu estava acima do limite de velocidade permitido. Mas eu tenho um bom motivo para isso. Tenho todos os motivos para isso.
Tudo começou há três anos, quando ela entrou na minha turma no meio do ano. À primeira vista eu a achei comum, como todas as outras garotas que conhecia. Mas isso foi à primeira vista.
Susan era seu nome. Ela gostava de cachorro-quente e batata frita do McDonald’s. Odiava pessoas soberbas e tinha mania de fazer careta quando alguém falava de seus olhos. Ela tinha belos olhos. Eram de um tom incomum, variando entre os mais diversos tons de verde e azul.
Seu rosto era angelical e seus lábios eram avermelhados. Tinha sardas espalhadas pelo seu nariz, bochechas, pescoço e ombros. Sua pele era branco-rosada e contrastava profundamente com seu cabelo acaju.
Ela era uma garota que dificilmente se via triste. Adorava fazer as pessoas a sua volta rirem. Ela contagiava todo mundo que sabia apreciar sua personalidade. Eu só comecei a falar mesmo com ela depois de umas três semanas desde que ela entrara no colégio.
A maior parte do tempo ela passava lendo livros e ouvindo música. Eu me lembro de ter visto-a conversando certa vez com umas patricinhas da nossa sala. E teve outra que ela estava falando com um dos excluídos da turma.
Eu não sei direito, mas foi por puro instinto que eu quis falar com ela. Ela não aparentava ser o tipo de garota que deveria andar com os excluídos da turma. Na verdade, ninguém deveria ser o excluído da turma, mas tem coisas na sociedade que nunca poderemos mudar, certo?
Ela estava na biblioteca, lendo um livro da Pearl Buck, quando eu a abordei.
– Oi, será que posso me sentar com você? – eu disse e ela me olhou com seus lhos arregalados. Mais tarde descobri que era mania dela fazer isso.
– Claro. – ela disse, dando um leve sorriso.
Eu não vou dizer que esse sorriso bastou para eu começar a me interessar por ela, porque eu só me dei conta de gostar dela depois de dois meses, quando ela começou a paquerar outro garoto.
O nome dele era David e era da mesma série que a gente, só que ficava numa turma diferente. As garotas o achavam mais bonito que eu, mas para ser sincero, eu discordo. O garoto era completamente horrível!
Ele tinha a pele morena e o cabelo e os olhos escuros. A coisa mais ridícula eram seus dentes, mais brancos que o próprio branco. Quando ele sorria você tinha que ter cuidado, senão ficava cego. E isso não foi exagero. Ele era muito feio. A pele morena contrastando com seus dentes brancos horríveis... Ah! Nem gosto de lembrar. Ele parecia muito artificial e esnobe.
Só que Susan não parecia ligar muito para isso. Logo ela, a garota que eu mais gostei em toda minha vida...
Ela só percebeu o jeito nojento de David quando eu me declarei para ela. Foi a coisa mais tensa que eu já fiz na minha vida. Já estávamos no final do ano letivo e era o baile de Primavera. Susan estava linda.
Lembro que ela usava um vestido azul-turquesa de seda, com um cinto de brilhantes na cintura. Seu cabelo longo estava preso em um penteado que lembrava um buquê de flores. Seus olhos estavam destacados com delineador e sua boca mais vermelha que o comum.
– Wow! Susan, é você mesmo? – eu disse e ela sorriu, seu rosto mais corado que o normal.
– Sou eu sim, seu bobo. – ela disse.
– É impressão minha ou você cresceu?
Ela me lançou um olhar de canto e depois levantou um pouco seu pé para mostrar a sandália de salto prateada.
– Ahn... Entendi. Nossa, que alívio. Pensei que você tinha crescido mesmo.
Ela bem que tentou, mas acabou rindo assim mesmo.
– O David não vai vir, não é mesmo? – eu perguntei, fingindo desinteresse.
Na verdade, eu já sabia a resposta. Ele não foi ao baile por que a sua família tinha decidido passar o final de semana no sítio. Pobre David... ele deve se arrepender ate hoje por não ter ido àquele baile.
– Não, ele não virá. Foi passar o fim de semana com a família no interior.
– É uma pena mesmo. Ele vai perder uma festa e tanto. – eu disse, dando um sorriso cínico disfarçado.
Susan e eu passamos boa parte do baile conversando e rindo das bobagens que os outros faziam no meio da pista. Mas a gente dançou também. Umas cinco ou seis músicas, mas dançamos. Foi divertido.
Quando a festa estava quase acabando, eu levei Susan a uma parte mais reservada do salão.
– O que foi, Eddie? Já está querendo ir embora? – ele indagou sorridente.
– Não, na verdade eu te chamei aqui para outra coisa...
– Pois diga logo! Está tocando uma das minhas músicas favoritas e...
Eu a interrompi com um beijo. Tudo bem, eu não queria beijar assim, logo de cara, mas eu não consegui me controlar. Eu estava nervoso e não sabia o que fazer. Foi puro impulso.
Quando eu consegui perceber o que estava fazendo, me separei dela rapidamente e a encarei buscando alguma reação. Mas não houve nenhuma. Ela simplesmente ficou lá, me encarando de volta com seus olhos incrivelmente lindos. Lindos...
– Seus olhos são lindos. – eu disse, mais num sussurro do que num tom normal.
Ela não fez careta. E isso não era um bom sinal, ou era? Meu Deus! Eu deixei a garota confusa e sem reação! E agora? Ela iria ficar assim para sempre?
– Os seus também. – ela sussurrou, para meu alívio e surpresa. E então sorriu e me beijou. E aquela foi uma das melhores noites da minha vida.
No verão continuamos nos vendo e quando as aulas voltaram nos tornamos inseparáveis. Todos sabiam. Inclusive David. Quando ele nos viu juntos pela primeira vez quase explodiu a escola inteira. Foi hilário, mas Susan não achou o mesmo. Bem ou mal, ela sentia uma certa simpatia por aquele idiota. Vai saber.
Quando nosso último ano na escola chegou, as coisas ficaram tensas. Eu não sei direito, mas sentia que alguma coisa iria acontecer. E não era boa.
– Você se preocupa demais, Eddie. – Susan dizia.
Mas não adiantava. Nada o que ela falasse iria me fazer mudar de opinião. E não era por que eu não queria mudar. Até queria. Eu só não conseguia me enganar.
Aquele foi o pior ano da minha vida. Eu estava completamente para baixo e nada que Susan fizesse me fazia melhorar. Quando a formatura chegou, eu senti que tinha que fazer algo, porque meu tempo estava acabando.
– Quer dar uma volta? – eu perguntei a ela.
Susan olhou para a pista de dança, que estava se esvaziando aos poucos.
– Acho que quero sim. – por fim ela disse, sorrindo.
Ficamos fora até umas três da manhã. Andamos por toda a cidade, passamos pelo porto, pelo centro da cidade, pelo shopping fechado, pelas casas escuras e até demos uma parada numa boate, onde eu peguei umas bebidas “emprestadas” secretamente.
Finalmente, paramos em uma rua deserta no subúrbio e ficamos conversando e bebendo.
– Você é tão doido, Eddie. Nem quero saber o que vai aprontar na faculdade no outono. – Susan disse, me fazendo ficar sério.
– A faculdade... – eu sussurrei. Claro, como é que eu não tinha percebido isso antes?!
– Sim, a faculdade.
– Susan. Preciso que você prometa algo comigo.
Ela me olhou curiosa, seus olhos em um tom acinzentado.
– Vamos prometer que nunca mudaremos, mesmo depois de formados. Sim? – eu disse e ela sorriu, um sorriso triste.
– Acho que você bebeu demais. – ela disse, pegando a garrafa de vodca da minha mão.
– Susan, por favor, me prometa.
Ela me encarou por um tempo. Então sorriu e disse:
– Eu prometo que não mudarei depois da faculdade. E nem nunca.
Eu dei um sorriso e ela me beijou.
– Você também tem que prometer agora. – ela disse, se afastando letamente.
– Eu prometo que nunca mudarei. Nem na faculdade, nem nunca em toda minha vida. – eu disse.
Então fizemos um brinde e quinze minutos depois eu a deixei em casa.
– Hei! Garoto, estou falando com você!
Olhei para cima e vi o policial me encarando. Não parecia estar muito feliz. Que ótimo!
– Quero que me acompanhe até a delegacia. Parece que o carro aqui não é seu e pode ser roubado.
Eu entrei no banco de trás da viatura e vi meu reflexo no retrovisor de dentro. Cara, eu pareço horrível! Pensei, me encarando no espelho. Meu cabelo castanho-claro estava bagunçado, parecendo um emaranhado de fios confusos. Meus olhos cor de mel estavam esquisitos, sonolentos e emoldurados por olheiras, que contrastavam profundamente com o resto do meu rosto pálido. Eu parecia um bêbado desesperado, um marginal, um coitado qualquer. E eu era tudo isso mesmo.
O policial chamou alguém para ir tirar o carro que eu estava dali e me levou para a delegacia. Lá me deixaram esperando por quase uma hora pelo delegado.
– Garoto, isso foi muito ruim, muito ruim mesmo. – o delegado disse, assim que apareceu.
Nem tive vontade de responder. Eu não conseguia pensar em nada. Eu estava numa delegacia e não estava pensando em nada.
– Você tem direito de fazer uma ligação antes de ser preso. Vamos lá. – disse o delegado, depois de uma meia hora de conversa que eu nem prestei atenção.
Suspirei e o segui pela delegacia, até chegarmos ao telefone.
– Tem cinco minutos. – disse ele, me deixando sozinho com um guarda entediado.
Tirei o telefone do gancho e o encarei. Para quem ligaria? A resposta mais correta seria para minha, mas não queria ligar para ela. Não era com ela que eu queria falar. Era com outra pessoa...
Susan. Da última vez que a vi ela estava triste. Seus belos olhos marejados e decepcionados.
– Vou sentir sua falta. – eu disse, mas ela me ignorou.
Não havia nada que eu pudesse fazer. Isso era o que a deixava mais irritada. Ela estava de partida para Harvard e eu não.
– Era para irmos juntos! – ela disse.
– Você sempre soube que eu não iria passar. Eu tentei te avisar.
– Não! Eu... eu não sabia que você ficaria aqui! Achei que viria comigo, passando ou não!
Suspirei, tentando achar alguma coisa para dizer que fizesse sentido para ela, mas não havia nada. Meus pais não me deixariam ir embora sem que eu fosse para uma faculdade. E eu não queria fugir de casa. Isso não era sensato. Não que minha vida fosse sensata, mas já estava na hora de amadurecer.
– Você não virá, não é? – ela sussurrou, a voz embargada.
Olhei para ela e vi seu rosto molhado de lágrimas.
– Ah! Susan, não chore! Não! Não é o fim! Você pode vir me visitar no verão e eu posso dar uma passada por lá quando der... Só não chore! – eu disse, a abraçando.
Ficamos assim por um longo tempo, até que ela se acalmou e me disse, as palavras mais duras que eu ouvi em toda minha vida:
– Já que é assim, é melhor então não nos vermos mais. Nem no verão, nem qualquer outra estação do ano.
Eu pisquei meus dois olhos e então a vi se afastar, determinada. Se eu fosse esperto teria ido atrás dela, mas não fui. Eu simplesmente a deixei ir. Para nunca mais vê-la.
E esse foi o maior erro da minha vida. Lembro que tentei ligar para ela, mas nunca me atendia. Fiquei louco. Eu não posso viver sem ela! Mas não adiantava. Ela estava me ignorando, como disse que iria fazer. E isso me deixava louco, inconseqüente.
Nas ultimas semanas eu fiz de tudo o que se pode imaginar. Embebedei-me, fugi de casa, roubei o carro do meu pai, sofri um acidente, fui parar no hospital, voltei para casa, tive uma crise, fugi de novo, peguei emprestado o carro de um amigo e decidi que tinha que ir atrás dela.
E estava correndo a toda velocidade quando o policial me parou. Nem parece que eu vivenciei tudo isso.
Mas agora estava aqui a minha chance, de telefonar para ela e ser atendido. Eu não devia fazer isso, mas quando vi, já estava chamando.
– Alô? – eu ouvi a voz dela no outro lado da linha.
Respirei fundo. Ela atendeu!
– Oi. – eu disse.
Silêncio. Será que ela iria desligar? Ou ainda não tinha reparado que era eu quem estava falando?
– Eddie? – ela tinha reparado! Isso é bom ou ruim? – Eddie, é você?
– Sim. – foi a única coisa que consegui dizer.
– Ah! Graças a Deus! Você está aonde? Estamos tão preocupados! O que você pensa que está fazendo sumindo assim? Pensei que fugir de casa fosse insensato demais para você! Onde você está?
– Como... Como você sabe que eu...? – essa não! Gaguejei! Ela sabe que está certa agora.
– Seus pais me contaram. Perdi uma semana de aula em Harvard por sua causa. Meus pais estão irados comigo, mas pelo menos não tanto quanto os seus estão contigo.
– Você está em casa? Na minha casa?
– Estou... Onde você está?
Droga! Droga! Droga! Por que ela estava lá e não em Harvard? Teria sido mais emocionante ela ter vindo me buscar sozinha. Agora ela viria com meus pais e todo mundo! Ah! Do que estou reclamando? Ela está preocupada comigo. Isso quer dizer que ela quer alguma coisa ainda. Tomara que tenha mudado de idéia quanto a nunca mais me ver.
– Eu estou numa delegacia, perto de Harvard.
– O QUE?! Como você foi parar aí? Espera, eu vou falar com seus pais e...
– Não! – eu a interrompi. – Não fale nada para meus pais. Eu quero que você venha sozinha me buscar, por favor. Eu não quero que meus pais venham.
– E por que não?
– Eu...
– Garoto, o seu tempo acabou! – ouvi o guarda dizer.
– Eu tenho que desligar. Mas, por favor, não conte para ninguém, venha sozinha. – eu disse e então desliguei.
– Hei! Garoto, tem visita! – o guarda disse.
Eu levantei do meu catre e fui até as grades, para ver Susan me encarar com um sorriso irônico no rosto.
–Você é tão idiota. – ela disse.
– A culpa é toda sua.
– Eu não falei para seus pais sobre isso. Mas eu tive que falar com meu irmão mais velho...
– Por quê?
– O Karl me viu falando com você no telefone e eu não pude mentir para ele. Além disso, me ajudou a chegar até aqui.
Houve um instante de silêncio. Eu não tinha nada para falar. Ela estava finalmente ali, na minha frente e eu nem sabia o que falar. Afinal, eu estava preso em uma cadeia e ela estava tentando me tirar dali. Isso era muito estranho. E constrangedor.
– Você me deixou preocupada, sabia? Nunca mais faça isso.
– Se eu não tivesse feito isso você não estaria falando comigo agora. E nem estaríamos juntos.
Ela ergueu um de suas sobrancelhas.
– E a culpa é toda sua. – eu disse e ela me lançou um olhar cortante.
– Eu pensei que você fosse maduro o suficiente par não fazer coisas como essas.
– Susan, eu te amo. Te amo, te amo e te amo. Pessoas que amam não têm juízo, não são maduras e nem sensatas. São inconseqüentes e aventureiras. Você sabe disso. Ou pelo menos deveria saber...
Ela me encarou por um tempo e então sorriu.
– Me dou por vencida. – ela disse e então o delegado e o irmão dela, Karl, apareceram.
– Parece que já esta na hora de ir, garoto. – disse o delegado, abrindo a cela.
O Sol estava nascendo no horizonte quando saímos da delegacia.
– Vai voltar para casa? – Karl perguntou, abrindo a porta do carro.
Olhei para Susan ao meu lado. Ela me encarava sorrindo levemente.
– Vou sim... para meu novo lar.
Karl me olhou confuso.
– Novo lar? Onde fica isso?
– É alguma casa perto da universidade de Harvard. Eu ainda não sei bem o endereço, mas a gente descobre quando chegar lá.
Susan me abraçou, rindo.
– Você é um garoto muito insensato, sabia? – ela disse me beijando logo em seguida.
Oras, quem ela pensa que é para dizer uma coisa dessas?!